Após passear pelas histórias de Nísia Floresta, Sophia de Mello e Alda Lara, fechamos o tema do mês “Escritoras da Língua Portuguesa” a história de Paulina Chiziane.
Pioneira na literatura moçambicana escrita por mulheres, ela usou a escrita para explorar as complexidades da vida feminina, incluindo questões de monogamia e poligamia da cultura moçambicana, desafiando fortes tabus sociais e culturais. Vem conhecer essa história!
Nascida em 1955, em Manjacaze, Paulina cresceu em uma Moçambique colonial. Desde cedo, foi confrontada com as discrepâncias entre os gêneros, uma realidade que viria a influenciar profundamente sua escrita.
Apesar das restrições impostas às mulheres em sua sociedade, Paulina foi incentivada pelos pais a prosseguir com seus estudos, uma decisão que moldaria seu futuro e sua voz literária.
Antes de se tornar escritora, Paulina Chiziane estudou linguística na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, onde começou a questionar as narrativas dominantes sobre o papel das mulheres na sociedade moçambicana.
Sua experiência acadêmica e pessoal, vivendo num país recém-independente, lutando com as heranças do colonialismo e as promessas de um futuro pós-colonial, forjaram seu olhar crítico sobre as questões de gênero e etnia.
A publicação de seu primeiro romance, "Balada de Amor ao Vento" (1990), marcou um ponto de virada significativo. Foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance, quebrando barreiras num campo dominado por homens. Nele abordou abertamente as práticas culturais, como o lobolo (dote), e a poligamia, sob uma perspectiva crítica e feminina.
Por conta disso, e ao longo de sua carreira, encontrou muitos desafios e falta de reconhecimento dentro do seu país. “Infelizmente, nos países recém-independentes, a literatura não é um espaço de liberdade. Quero a liberdade de poder mostrar à sociedade o lado positivo e negativo das coisas e não escrevo para agradar a ninguém.”
Quando perguntada como ela se sentia por ser a primeira mulher, ela respondeu que nem percebeu. E citou a frase “quem corre porque gosta não se cansa” revelando que estava contando apenas uma história que lhe agradava. Afirma ainda que ser a primeira não é uma coisa que lhe altera, mas que fica feliz em saber que foi pioneira de alguma coisa.
“Para mim, o homem e a mulher são como o pé direito e o pé esquerdo. Para um organismo funcionar tem que ter equilíbrio nos dois pés.”
Afirmou algumas vezes não gostar de ser chamada de romancista, mas sim contadora de histórias, já que nunca buscou seguir qualquer estrutura formal e acadêmica na sua escrita e prefere usar muitos recursos da oralidade, típicos da sua origem. O que denota um caráter único e de identidade na sua escrita.
Depois de anunciar, em 2016, que pararia de escrever, após 26 anos de muitas lutas, foi laureada com o Prêmio Camões, em 2021.
Em seu discurso destaca-se um ponto de vista muito importante: a descolonização da língua portuguesa. Ela afirma que ouvia:
“Os teus escritos não são bem, bem da língua portuguesa, porque tens de escrever bem, bem da língua portuguesa, mas eu achei que devia mostrar quem sou, negociando a minha identidade, como mulher, como negra, como africana através da língua portuguesa”.
Para encerrar, deixo aqui a mensagem que a escritora deixou, quando solicitada a dizer algo para as mulheres que pretendiam se tornar escritoras.
“Não é propriamente uma recomendação (...), eu quero deixar apenas um ponto de vista. Eu acho que o desequilíbrio do mundo acontece exatamente porque falta a voz das mulheres no livro.(...) Num livro dito sagrado é onde aparece a primeira grande declaração de desequilíbrio (se referindo a Eva e a culpa que carrega do pecado original). A minha questão é onde estavam as mulheres quando aquilo foi escrito? Se elas estivessem presentes o texto seria assim? Portanto, o desequilíbrio das grandes filosofias universais acontece porque as mulheres não estavam presentes quando as grandes obras foram escritas.”