Se as mulheres brancas encontraram silenciamentos ao longo da História, imagina o tamanho do silenciamento das mulheres negras.
A história de hoje é uma forma de dar visibilidade a história das mulheres, mas também honrar a memória e identidade do povo negro.
Esperança Garcia viveu como escrava na fazenda Algodões, no Piauí, onde aprendeu a ler e escrever com padres jesuítas.
Anos depois, foi transferida para a fazenda Poções. Separada da família viveu entre maus tratos e abusos.
Para pedir ajuda, escreveu à mão uma carta de vinte linhas, relatando a sua situação e pedindo a Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, então presidente da capitania do Piauí, que sua filha fosse batizada, ela pudesse exercitar a confissão religiosa aos padres e também pudesse voltar para a fazenda onde estava o restante de sua família.
Acredita-se que ela tinha 19 anos quando escreveu a carta.
Essa carta é considerada a primeira petição escrita por uma mulher no Brasil.
Em novembro de 2022, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil concedeu à piauiense o título de Primeira Advogada Mulher do Brasil, que antes pertencia a Myrthes Gomes, que ingressou na advocacia em 1899.
Numa época em que as estratégias de resistência eram infelizmente fugas, suicídios e assassinatos, ela desafiou o sistema reivindicando o que era seu direito segundo as leis daquele tempo.
Ela não clamou para deixar de ser uma mulher escravizada, mas exigiu aquilo que a lei a assegurava: o batismo, a confissão e a possibilidade de constituir família. Seus argumentos são estratégicos para convencer as autoridades.
Mesmo sem formação específica, ela escreve um documento com todos os elementos básicos de uma petição: endereço, identificação, narrativa de fatos, fundamento no direito vigente e um pedido.
Não há indícios de que ela recebeu qualquer tipo de resposta. Porém, numa lista de escravizados da fazenda Algodões, seu nome aparece indicando que teria conseguido voltar. Neste documento consta que teria 27 anos. A data de sua morte ainda é desconhecida.
A carta demorou 209 anos para ser encontrada. O historiador Luiz Mott a achou quando realizou sua pesquisa para o mestrado, no Arquivo Público do Piauí.
Não existem fotografias ou pinturas que dêem detalhes de como seria o seu rosto. Apesar disso, contar a história de Esperança Garcia é compreender como o racismo e o sexismo negam o direito à própria história.